sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Flora


Há alguns anos, comprámos uma reprodução para a casa onde eu vivia. Então eu apenas passava em casa o mínimo tempo possível, já que tinha trabalho de mais, tanto de manhã como à tarde, e não havia muito descanso para mim. Ora bem, como estava a dizer, esta imagem, cujo original em gesso pintado mede 0,38 x 0,32 cm, provem de Castellammare de Stabia, ou casa de Verão Arianna em Pompeia, e está patente no museu de Nápoles.

A figura encantadora e cheia de graça deste gesso, mostra-nos uma deusa, ninfa nos domínios do seu jardim, recolhendo delicadas flores que leva na sua cornucópia, para um destino misterioso encoberto no verde ilimitado do fundo.

Às vezes, para relaxar, gostava de contemplar a imagem. Eu sentia que ao contemplar aquela imagem algo sério começava a mexer-se dentro do meu peito. Eu era o observador, imaginava-me entre as folhas de um arvoredo, observando os contornos requintados da joven, adivinhando mesmo os traços do seu rosto, contemplando a beleza que envolvia seu gesto calmo ao caminhar, a delicadeza da sua mão a apanhar as flores.

No entanto, uma tarde de Outono de repente aconteceu. Era sábado. Depois de passar o dia todo fora de casa, chegei muito cansado. Mas o cansaço era um cansaço antigo, como uma carga que dia a dia estremecia as minhas costas, e eu, abraçado à rutina, não percebia. Entrei na sala, deitei-me no sofa à procura de algum sossego e olhei para a pintura pendurada na parede. Não me lembro quanto tempo estive a olhar para ela, mas foi então que aquela mágica figura, que eu contemplava com um inocente e descontraido olhar, me deu a resposta.

Ali, dentro da própria figura, camuflado na túnica vaporosa da joven, podia vê-lo com toda a claridade. O rosto do passo do tempo surgiu, murcho e velho, envolvendo-me o coração todo, mostrando a sua inquestionável crueza. Fiquei espantado perante tão grande descobrimiento ao sentir como o autor, há mais de 2.000 anos, apanhou e perpetuou nessa imagen o desejo mais antigo do homem.

Texto de Manuel Díaz Pérez (N.I.-1º)

3 comentários:

Anónimo disse...

Gostei imenso da descrição feita e da escrita. Foi mesmo na passada semana que terminei de ler o Codex e o misterio envolveu-me na escrita do mesmo modo no blogue.
Gostei muito e gostaria de ler mais descrições de arte.
Parabens!
Rebeca

Anónimo disse...

Muito obrigado, Rebeca.
Eu também tenho a intenção de ler o Codex. Mesmo que o ano passado o tinhamos como leitura do curso, ainda não o li.

Até breve.

Manuel

Anónimo disse...

Concordo contigo sob na delicadeza da obra descrita. É impresionante o poder das tua descricäo.
Animo-te a continuar escrebendo dessa maneira.
Ate pronto, "Manue".
Emilio.